Doença intersticial com fraqueza muscular proximal. O que pode ser?

Tempo de leitura: 4 min.
Atualizado em: 09/08/2023
Sumário

Paciente feminina, 38 anos, com queixa de dor nos braços, que evoluiu com parestesia na ponta dos dedos e fraqueza de cintura escapular e queda de cabelo. Dispneia progressiva, atualmente mMRC 3.

Teve COVID há mais de um ano atrás. Bastante exposição a mofo. Paciente não tem lesão de pele.

Exames complementares disponíveis:

Escarro: pesquisa e cultura para BK Negativo. 

Sangue: FAN negativo. AntiCCP negativo. Anticentrômero negativo. Anti-RNP negativo. Beta2-glicoproteína 1: Negativo. AntiDNA negativo. AntiScl70: Negativo. C3 e C4 normais. HIV, VDRL,  hepatite B e C negativos. Citomegalovírus: IgM negativo IgG positivo. TGO 25 TGP 43 GGT 44 TSH 1.59 T4 livre 1.59. Galactomanana: Baixo. Aldolase 12,7 (Valor de referência: <7.6) CK 375 (VR <180) PCR 8 Fator reumatoide negativo

Tomografia computadorizada de tórax: Opacidades em vidro fosco, com predomínio em bases, sem faveolamento, e com preservação relativa do interstício subpleural (subpleural sparing). Nesta tomografia nota-se ainda redução volumétrica dos pulmões, com elevação das cúpulas diafragmáticas (abaixo), compatível com  NSIP (non-specific intersticial pneumonia) ou, do português, PINE (Pneumonia intersticial não específica)

Ecocardiograma: Normal.

Vamos aprender?

1. Quais as hipóteses diagnósticas iniciais?

   A paciente, uma mulher jovem, apresenta um quadro de dispneia importante e progressiva, acompanhado de fraqueza muscular proximal, além de acometimento pulmonar por doença intersticial não específica (NSIP), e exposição importante ao mofo, além de COVID no passado. Sobre as principais hipóteses:

- Doença intersticial associada à miosite: Faz sentido, pois paciente do sexo feminino, jovem, com fraqueza em musculatura proximal (cintura especular), além de alteração de enzimas musculares (CK e aldolase), com tomografia característica (padrão NSIP), além de fraqueza de diafragma, demonstrado por elevação das hemicúpulas. 

- Pneumonite de hipersensibilidade: Poderíamos pensar, uma vez que paciente tem exposição importante à mofo, mas vamos lembrar que não vem associado com quadro muscular, e a imagem mais característica desta doença é vidro fosco com predomínio em ápices, com áreas de mosaico - o que não é o caso.

- Lúpus: O diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico poderia ser pensado aqui, principalmente pela redução do tamanho pulmonar, com a doença rara que pode estar relacionada ao pulmão em casos de LES, a “Shrinking Lung Syndrome”, porém os marcadores séricos para LES vieram negativos.

2. Qual o diagnóstico final?

   Em uma paciente com:

a. Doença muscular proximal

b. Marcadores de inflamação muscular (CPK e aldolase elevados)

c. Padrão tomográfico de NSIP + fraqueza muscular com elevação das cúpulas diafragmáticas, temos o diagnóstico de:

 IPAF (Intersticial pneumonia with autoimmune features), ou seja, acometimento pulmonar por doença autoimune. A confirmação de acometimento pulmonar por miosite viria, por exemplo, com o marcador Anti-Jo1 positivo ou Anti-Ro positivo.

   O acometimento muscular poderia ainda ser confirmado por eletroneuromiografia, ou ainda, o acometimento diafragmático por medidas de Pressão inspiratória máxima (Pimáx) e pressão expiratório máxima (Pemáx) reduzidas, ou ainda por medida de VEF1 pela espirometria medida nas posições sentada e deitada (o que deveria dar uma diferença de pelo menos 20% entre as medidas).

   Aqui o diagnóstico de IPAF autoriza o tratamento, que é com imunossupressor: Corticoide (dose alta, como 1mg/kg/dia de prednisona) + azatioprina 50mg/dia (aumento progressivo até 2 a 3mg/kg). Depois de 6 semanas, desmame de corticoide de maneira lenta.   

3. Caso a paciente tivesse doença cutânea associada, com o que mais deveríamos nos preocupar?

   Neste caso estaríamos diante de uma dermatomiosite:

   As lesões patognomônicas ocorrem em 70% dos casos, com as pápulas de Gottron, que são lesões violáceas sobre articulações interfalangeanas ou metacarpofalangeanas, cotovelos ou joelhos, e o sinal de Gottron, que consiste em eritema violáceo sobre placa atrófica nas mesmas distribuições. Lesões características incluem as telangectasias periungueais e distrofias cuticulares a mácula eritêmato-vinhosa e edematosa na região periorbital – conhecida como heliotropo pela semelhança com a coloração violácea da flor heliotropo e as máculas eritêmato-poiquilodérmicas distribuídas nos ombros, braços, V do decote ou dorso, conhecidas como sinal do xale. O heliotropo ocorre em 30 a 60% dos pacientes, pode envolver apenas a região de pálpebras superiores e, em afro-americanos, apresentar-se como edema periorbitário. O eritema periungueal (sinal de Keinig) e as telangectasias periungueais não são específicos, podendo ocorrer em outras doenças. Lesões compatíveis incluem a poiquilodermia vascular atrofiante (poiquilodermatomiosite) e a calcinose.

   Fotossensibilidade ocorre em um terço dos casos. Em 82% dos pacientes observa-se envolvimento do couro cabeludo, que pode ser confundido com dermatite seborréica ou psoríase, e em alguns casos ocorre alopecia. As "mãos de mecânico" são caracterizadas por descamação, fissuras, ceratose e hiperpigmentação simétricas e não pruriginosas nas palmas. Outros achados incluem edema facial, ictiose adquirida, vasculite, paniculite, perfuração de septo nasal, eritrodermia, líquen plano, doença de Degos, formação de vésico-bolhas, erupção pustulosa de cotovelos e joelhos, telangiectasias gengivais, eritema centrífugo flagelado (lesões raras, com eritema linear semelhante a listras de zebra),35 dermatite herpetiforme, penfigóide bolhoso e urticária.

   Quando estamos diante de um quadro de dermatopolimiosite temos sempre que buscar neoplasias ocultas, uma vez que há esta frequente associação, sendo muitas vezes a dermatopolimiosite considerada uma paraneoplasia.

4. Vamos relembrar os marcadores de autoimunidade?

Associação entre marcadores e doenças autoimunes:

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